Entrevista: Adilson Luiz Quevedo sobre Notícias da Contenda

25 de setembro de 2019

Na sexta-feira próxima, 27/09, o escritor Adilson Luiz Quevedo lança seu segundo livro, o romance Notícias da contenda (Leme/impressões de minas) na livraria do Cine Belas Artes (Rua Gonçalves Dias, 1581, Belo Horizonte/MG). Batemos um papo precioso com o autor sobre os processos de escrita por aqui:

Estratégias narrativas: De onde vieram as ideias iniciais para o livro Notícias da contenda? Ela veio como um romance no princípio, ou como um conto que foi aumentando?

Adilson Luiz Quevedo: Não me recordo propriamente de onde vieram as ideias inicias do livro, mas quando. Na época eu trabalhava na Biblioteca Estadual de Minas Gerais e passei a imaginar um conflito mundial no qual o armamento utilizado fosse o acervo de bibliotecas emblemáticas. Alguns países a arremessar de aviões suas bibliotecas em redutos culturais de outros países, não como um ato violento, mas com espírito lúdico, como se bibliotecas fossem peças a serem movidas num imenso tabuleiro. Logo surgiu a ideia de criar um novo tipo de leitor – as pessoas que vão recolher os livros após a queda da biblioteca – e com esse novo tipo de leitor a ideia de colocar em meio às Notícias da contenda fragmentos de livros que essas pessoas recolhem após os ataques. Essa ideia mudou inúmeras vezes (creio que mudei a estrutura do livro três ou quatro vezes, em certos momentos essa forma se perdeu) até que na última edição adquiriu a forma primordial. Assim, nos capítulos ímpares acompanha-se as principais notícias da contenda e nos capítulos pares lê-se fragmentos de livros (que eu mesmo inventei nas mais variadas formas: primeira pessoa, romance epistolar, roteiro cinematográfico, depoimentos, romance investigativo, histórico, etc.). Devido ao fato de se tratar de inúmeros histórias dentro do mesmo livro, tendo como pano de fundo a contenda, creio que o livro desde o início se impôs como um romance.

EN: como foi o processo de edição e reescrita do romance? Você gosta mais de qual parte de todo esse processo?

Adilson: Gostei de ambos os processos, mas tanto a edição como a reescrita foram árduas. Cada pedaço que tive que reescrever me conduziu, na verdade, a um novo escrever, e isso consequentemente parecia alterar a forma total do livro, que não podia ser apenas uma soma de partes, mas uma interação. Montei o livro inúmeras vezes, tal qual a montagem de cenas em um filme, até encontrar a sequência mais apropriada.

EN: Antes de Notícias da contenda, você publicou um livro de contos - A volta ao mundo de Jacob Von Warburton. No seu processo, em que difere escrever conto e escrever romance? São modos de escrita muito distantes ou você enxerga proximidade neles?

Adilson: Hoje tenho uma concepção bastante diversa de literatura, mais híbrida e menos preocupada com as convenções clássicas que definiram os gêneros. Mas quando escrevi os contos de A volta ao mundo de um tal Jacob von Warburton acreditava, principalmente influenciado por Borges, que a trama de um conto (ou, em todo caso, os elementos que compõe a história) deveria possuir a engenhosidade de um mecanismo de relojoaria. Sem sobras ou faltas. Com a escrita de Notícias da contenda entendi que uma peça literária pode ser mais orgânica, ou seja, arvorar suas galhadas livremente em direções inesperadas, não apenas para quem lê, mas também para quem escreve.

EN: Você também tem um trabalho acadêmico na filosofia, além de ser um grande leitor de literatura. Como, para você, se concatenam essas leituras e a escrita?

Adilson: A minha escrita depende constantemente da leitura. Quase tudo o que leio é em função do que estou escrevendo. Por exemplo: se decido escrever um diário, leio os diários que posso (reais ou inventados); se decido escrever um relato em primeira pessoa em prosa oral, leio livros que foram escritos dessa maneira; se resolvo escrever uma história ambientada na ditadura, vou ler livros históricos e ficcionais sobre a ditadura; e assim por diante. Nesse processo entra inclusive filmes e documentários. Quanto à pesquisa acadêmica em filosofia, prefiro deixá-la distante da ficção, para o bem da ficção.

EN: Você realizou algum tipo de pesquisa para escrever esse romance?

Adilson: Realizei inúmeras. Para criar a contenda tive que pesquisar sobre as principais bibliotecas do mundo, suas histórias, seus acervos, etc. Como a contenda é uma espécie de desdobramento alternativo da Guerra Fria, realizei uma ampla pesquisa sobre o período. Nos fragmentos de livros ficcionais existem histórias ambientadas na Cuba pré-revolucionária, no período ditatorial brasileiro e até mesmo na revolução de 61 que aconteceu na fronteira com o Paraguai. Há também relatos epistolar e roteirístico, o que exigiu a leitura de cartas (reais e ficcionais, digamos assim) e a leitura de roteiros de filmes...

EN: O que você diria a alguém que começa a escrever agora?

Adilson: Não coloque qualquer subterfúgio entre você e a folha em branco. Escreva sempre, não espere a inspiração para começar a navegar, os bons ventos (e as tempestades) só aparecem para aquelas pessoas que já estão em alto mar. Leia muito, livros bons e ruins, para criar uma espécie de crítica literária pessoal e assim refinar uma autocrítica, com a qual poderá olhar para os seus textos (sem apegos vaidosos desmesurados) e perceber virtudes e problemas.