As pedras preciosas de Odette

03 de dezembro de 2015

Laura Cohen

Frequentemente recebo aqui no ateliê gente que quer escrever um livro e não consegue, ou gente que escreveu um livro e não sabe se está bom, não sabe o que fazer com o texto. Meio por intuição acabei chamando o trabalho de “preparação de texto” por falta de nome, e é das coisas que eu mais gosto de fazer na vida. Foi um amigo me falou que tinha uma amiga que postava textos muito legais no facebook, e que ela tinha a intenção de fazer um livro com aqueles e outros textos. Era a Odette Castro, uma mulher linda, designer de eventos, fada e mãe de duas filhas: a minha xará Laura e a caçula Beatriz (e mãe adotante de um monte de gente legal).

Odette me deu uma pilha de textos bastante heterogênea. Aqueles capítulos eram sobre a relação que ela tinha com a maternidade e a sua família, mais especificamente com a sua filha mais nova, Beatriz, portadora de uma síndrome rara chamada Rubinstein-Taybi. Foi bem fácil trabalhar com a Odette porque ela sabia exatamente o que queria – escolhemos como recorte justamente as histórias que tivessem relação com a Beatriz. Tentei apenas guiá-la através da escrita, ajudando a encontrar o próprio estilo, que é simples, breve e agridoce. Corrigimos os textos, cortamos umas partes, desenvolvemos outras e ela terminou um livro chamado Rubi, que será lançado na próxima quinta-feira, dia 10 de dezembro na Casa Ateliê (aí em cima está o convite!).

O nome Rubi veio de um comentário à toa que fiz, que disse para a Odette: você sabia que o primeiro nome da síndrome, Rubinstein, é literalmente “pedra de rubi”? Ela disse que o Rubi era a sua pedra preciosa favorita. Acho até que o termo “pedra preciosa” é muito curioso e preciso para o livro de Odette: pedra, o primeiro termo, símbolo da dureza, combinado ao adjetivo precioso. Assim é esse livro: duro e brilhante.

Na escrita, Odette é sincera – não é só a “alegria de ser mãe” do comercial, muito romantizada e estigmatizada. Ela mostra todos os preconceitos que ela e a filha sofreram – não basta os olhares tortos das pessoas para a Beatriz, Odette também foi julgada pela sua maneira de tratar a filha (aliás, qual mãe nunca, né?). Odette não se retrata como uma mãe santificada que fez tudo corretamente – há aqui o erro e o acerto. Acho que o livro é mais um inventário de dificuldades e alegrias: do médico pessimista aos triunfos de Odette para cuidar da saúde da filha, da escola injusta até a ajuda dos amigos para oferecer a Beatriz todo tipo de tratamento e cuidado (ao que parece, Beatriz é uma sedutora nata, todo mundo se encanta por ela), dos dias difíceis com a filha na UTI até a descoberta da escrita.

Bom, livro pronto, fiquei triste com uma coisa que a Odette postou no facebook outro dia: alguém a acusou de usar a filha para se promover – um medo que ela tinha desde o começo da redação do livro. Achei muito esquisito. A primeira coisa que eu pensei quando ela disse que queria publicar um livro sobre a Beatriz, eu pensei: oba, uma mãe partilhando suas experiências para outros pais, e principalmente: pais de filhos com os mesmos problemas que Beatriz enfrentou e enfrenta. Odette, muitas vezes, disse que não se preocupava em ser politicamente correta. Mas certamente não há nada mais politicamente correto e necessário do que isso – a partilha da informação, a partilha dos sentimentos, a partilha dos erros, a partilha das preciosidades.

E, Odette: estou aguardando o próximo livro, viu?