Precisamos falar sobre o bom

24 de novembro de 2015

por Laura Cohen

Passei algumas boas semanas (ou meses) achando que eu estava escrevendo muito mal. Para alguém que vive com a escrita e que vive da escrita isso é uma espécie de pesadelo que acontece de tempos em tempos – quando a nossa escrita passa por uma espécie de reforma, e até a gente encontrar a voz que perdeu ou a nova voz, é um pequeno inferno. A coisa se resolveu quando fiz uma viagem para um congresso, saí do meu lugar de conforto, olhei bastante o meu entorno e tirei um tempo para pensar – e acho que foi por isso que eu acabei não postando texto na semana passada.

O escrever mal é assim: você fica achando que a ordem das palavras está estranha, você esquece tudo que sabia de gramática, você se vê usando termos e lugares-comuns que não são seus, você não se reconhece no próprio texto e pior: você não reconhece o mundo que você quer criar no próprio texto. É falso. Pelo menos para mim é assim, uma espécie de crise-e-resolução que envolve um julgamento. Mea culpa: sempre tenho uma crise quando fico muito tempo sem escrever achando que eu posso ficar muito tempo sem escrever. Não posso, não.

O mais estranho foi que o meu texto estava ruim tanto na escrita de ficção quanto na escrita acadêmica, e nessa brincadeira tive que escrever uma comunicação que não foi lá aquelas coisas. Ficou um texto meio esbranquiçado, sem estilo, mas era o que tinha para o momento. Entretanto, durante a primeira sessão de comunicações do congresso, eu escrevi um poema e de repente eu não conseguia parar de escrever. E cá estou eu, felizinha de novo com a minha escrita e com sessenta e três páginas do que eu quero que seja o meu novo romance.

O bom, para mim, é a coisa mais difícil da arte. No fundo, para um ateliê de escrita, meu objetivo é bem simples (mas trabalhoso) e uma espécie de “conhece-te a ti mesmo”: cada um deve encontrar o próprio estilo e em seguida ver até onde o estilo pode ir – podemos obedecê-lo, desobedecê-lo, criar desafios, trabalhar a massa. Escrever é um exercício de conhecimento, escrever é um exercício de desejo.

E por ser um exercício de desejo, a escrita acaba sendo sempre epistolar: estou sempre escrevendo um texto para um público – por mais privado que seja este público, já que ele pode ser até composto de mim mesma, por exemplo: eu posso escrever para mim mesma em um diário íntimo. Aliás: gosto de pensar que eu sou o meu primeiro público, eu sou a minha primeira leitora e minha primeira crítica. Só depois de passar por esse crivo severo que o texto vai atingir um público mais abrangente: daí, o texto não é mais seu, mas do público. E de alguma forma o meu desejo é provocar algum movimento no outro que recebe o meu texto: transformar o desejo do outro com o meu desejo.

Não gosto, entretanto, da idéia de superação – como se a segunda obra tivesse sempre que ser melhor que a primeira. Gosto mais do meu primeiro romance do que do meu segundo, acho que meu primeiro livro tem mais a minha cara e o meu segundo livro é cerebral demais. Se escrever é uma tarefa solitária, publicar é algo totalmente público. No fundo, penso que existe um conforto em pensar que o bom não é 100% responsabilidade do autor – o que eu, como autora, dou é sempre o máximo que eu consigo dar de mim, até que chega um momento em que o texto precisa ser abandonado nas mãos dos outros, que farão dele o que eles quiserem. E então, libertos da obra anterior, a gente se obriga a ir andando em direção ao próximo livro...