“Não sei de onde isso veio”: Minhas férias, de Mariana Zande

12 de julho de 2016

[por Laura Cohen]

Mariana Zande frequentou o ateliê desde quando habitávamos a gráfica da Impressões de Minas e ainda não tínhamos a nossa salinha no Maletta. Mariana é do tipo disciplinada, que escreve todos os dias. Eu mesma sei que escrever todos os dias não é só questão de disciplina: é coisa de necessidade, e nós duas criamos uma relação de urgência com a escrita. Para mim, foi um alívio conhecê-la: mais uma para somar ao grupo dos compulsivos. Na sua primeira estadia no ateliê, ela fez um livro de poesia, que ainda não foi publicado. Depois, ela tentou escrever uma espécie de romance ou um conto bem longo, que parou no meio do caminho, então não dá para saber muito bem o que é. Daí, num curso que dei em janeiro aqui no estratégias narrativas, ela apareceu com alguns continhos sobre a sua infância. Estranhei Mariana na prosa, perguntei meio por impulso de onde tinha vindo a ideia de escrever aquilo e ela respondeu: “Não sei de onde isso veio”. Destes continhos, que de três tornaram-se dezenove, será lançado na próxima sexta-feira, 15 de julho, o seu primeiro livro: Minhas férias.

Fico feliz de poder falar sobre o método de Mariana, que escreve constantemente desde os dez anos de idade. Como todas as pessoas que escrevem por sobrevivência, Mariana escreve muito em certas épocas e pouco em outras épocas, buscando nisso uma espécie de equilíbrio vital. Quando paramos de escrever, é a morte (até escrevi sobre isso aqui). Daí, da até falta de graça em dizer que ela é “jovem escritora”: o público leitor de Mariana conhece apenas o que ela quis pôr pra fora agora aos vinte e oito anos, somando dezoito anos no aprendizado da escrita. Existe um pessoal que não conhece o que foi falha, o que foi angústia, o que foi branco, não conhece o texto que não saiu bem, o texto que foi abandonado, não conhece o trabalho diário. Essa invisibilidade do texto excluído pelos autores ajuda a sustentar certo mito da genialidade. Nem o jovem escritor nem o velho escritor deixam de lado as dúvidas, e cada experiência de escrita é uma experiência nova. Minhas férias é um texto que surgiu do mesmo lugar que os outros textos e, ao mesmo tempo, de um lugar desafiante de desejo de nova fala. Ou seja: Mariana ralou demais para conseguir fazer esse livro, e ainda por cima chamou muita gente para ralar com ela.

Quando a Mariana apareceu no ateliê pela primeira vez, ela veio com a minha aluna Bianca, a namorada na época (e agora esposa, vida longa!). As duas andam em uma simbiose tão profunda de ajuda, amor e cooperação que muitas vezes chamo a Mariana de Bianca e a Bianca de Mariana. A história da produção desse livro tem muito a ver com isso: simbiose não só entre essas duas, mas entre muitas mulheres que fizeram parte dessa produção. Eu fiz a preparação de originais, Elza Silveira escreveu a apresentação e cuidou de questões editoriais chatas (ISBN e ficha catalográfica), e ele foi impresso na gráfica da Oi Kabum!, escola que infelizmente fechou as portas na semana passada, deixando um rombo na educação aqui em Belo Horizonte e na vida de muita gente. Na Oi Kabum!, impresso na riso, o livro contou com a leitura e assistência da Flávia Péret e assistência da Thaís Geckseni, além da ajuda da Bianca na montagem. Bianca de Sá foi de tudo nesse processo: de acalmadora de Mariana, a fotógrafa e assessora (junto com a Val Prochnow) . Ainda participamos de um programa que vai ao ar na Rede Minas às 20h, o Mulhere-se!, dirigido pela Sara Silva Ribeiro, outra ex-aluna e órfã da Oi Kabum. Se eu esqueci de alguém, me desculpem!

Por fim, falo sobre o livro que já nasce: Minhas férias é um livro para todo mundo: classificado na ficha catalográfica como “memórias autobiográficas” (por isso eu não esperava, mas já sabemos da insuficiência das classificações), ele conta com dezenove pequenas-grandes histórias de férias no interior de uma menina questionadora, criativa e amorosa, de forma que vale a leitura de uma pessoa de 8 até uma pessoa de 108 anos. Este é um livro de questões universais, e faz sentido para todos nós, porque a infância é uma questão universal. A infância, neste livro, não é tratada com saudades idealizadas de um tempo de inocência e alegria, mas com o peso que lhe cabe: o peso dos pequenos prazeres, o peso da brincadeira, o peso das grandes dores, o peso dos questionamentos, o peso da melancolia, o peso de uma saudade discreta, ora preguiçosa, ora ativa. Todos nós carregamos nossa infância para sempre e nos vemos refletidos ali na infância de Mariana, que corajosamente nasce para nós na forma de um livro muito lindo.

Programa MULHERE-SE: Rede minas, vai ao ar quinta-feira 14/07 às 20h.

LANÇAMENTO DO LIVRO MINHAS FÉRIAS de MARIANA ZANDE: Sesc Palladium, sexta-feira 15/07, às 19h30.