meu problema com o conto

18 de janeiro de 2017 - Laura Cohen

[Por Laura Cohen]

O pessoal do ateliê fica meio bravo comigo quando eu digo que não gosto tanto de ler contos, ou que tenho dificuldade com contos, principalmente quem escreve contos. O caso é que terminei 2016 fazendo a edição parcial do livro do Hugo César daqui do ateliê, que tem três, quatro narrativas que se relacionam e comecei 2017 lendo dois livros de contos e meio que abandonando um. Abandonando não porque não gostei, mas porque tenho um problema com a leitura e a escrita de contos. Eu ia escrever um texto sobre os contos geniais da Veronica Stigger e fiquei com a necessidade de dizer isso aqui antes.

Os primeiros textos que publiquei foram contos: foram selecionados em um concurso de uma faculdade em 2007 e 2009. Eu tinha 17 e 19 anos, respectivamente, muito nova, sim, mas já escrevia havia muito tempo. Escrevo desde quando fui alfabetizada, era algo muito natural para mim. Eu escrevia histórias infinitas, mas comecei a escrever narrativas breves só depois de me empanturrar de contos, aos 14, 15 anos, principalmente Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu. Eu começava a escrever um conto, demorava uma semana, duas e logo o terminava. O processo era rápido e eu me sentia atropelada por ele. No fundo, eu permanecia envolvida com aquelas histórias, aqueles personagens, queria voltar a falar deles. E eventualmente voltava. Virava tudo romance ou protótipo de romance.

Ao mesmo tempo, sinto um pouco de inveja daquela menina que conseguia escrever contos. Agora sou uma menina que escreve também poemas: poesia e conto partilham a concisão, mas se diferem, digamos, pela forma, pelo ritmo. Não consigo escrever mais narrativas breves, toda vez que inicio uma coisa que acho que vai ser curta, ele vai ganhando palavras, ganhando palavras até que se torne um monstro de mais de cem páginas ao qual vou me amarrar por alguns anos, da ideia inicial à publicação como romance. Foi assim toda vez. Acho que é porque fico fixada no universo dos personagens que eu crio, e vou aumentando a vida deles, tecendo acontecimentos até achar que é hora de parar.

Na verdade, a concisão da prosa é uma arte que eu não compreendo muito bem e que não me é natural. Gosto muito de uma entrevista com a Beatriz Bracher em que ela fala que o conto é uma forma de escrita mais sofisticada do que o romance, diferente do que muita gente pensa. Ela diz também que no romance, você pode ir escrevendo sem saber para onde isso vai, a própria narrativa vai te levando... Enquanto, o conto não parece permitir a deriva tão facilmente, ele precisa de um final com mais agilidade. Não dá para ficar lá muito tempo. Não gosto dessa coisa de regras, dizer que escrever romance é um processo X e escrever conto é um processo Y, mas isso que a Bracher diz coincide com o meu processo.

Aí vem: também não gosto muito de ler livros de contos, tenho dificuldade.

Detesto que uns contos de um mesmo livro são sempre melhores que os outros, me incomoda a mudança de estilo entre as narrativas, não gosto de perder o contato com os personagens tão rapidamente. Além disso, a maioria de livros de contos que pego para ler me dão uma impressão de inchaço e heterogeneidade. É chato como algumas coletâneas têm contos demais, como se autores e editores simplesmente pegassem contos escritos em determinado período e colocassem dentro do livro e pronto, não há uma separação, uma triagem, uma relação.

É bem raro que eu leia um livro de contos do começo ao fim. Acho necessário tomar um respiro entre os contos de um livro, na minha leitura. O respiro é físico mesmo: terminar o conto e ir fazer outra coisa, lavar louça, responder e-mails, inclusive, ir ler outra coisa. Não posso ficar duas horas lendo: sou sempre interrompida pelo fim. Os contos de Kafka e Borges são brilhantes, por exemplo, mas não sei como existe gente nesse mundo que consegue ler todo um livro desses de uma vez. Sinto que o esforço de ler um só conto equivale ao desgaste/envolvimento emocional de ler um romance inteiro, e o processo de envolvimento e despedida parece acontecer rápido demais. Na verdade, só consigo ler um livro de contos do começo ao fim quando estes contos estão minimamente relacionados.

A arte do conto me bem mais complicada e especial que o fazer do romance. Muitas vezes acho que eu seria uma melhor leitora de contos se os volumes fossem mais enxutos, ou se os contos fossem publicados individualmente. Não sei. Acho que está é uma das falhas do meu caráter de leitora. Então pelo amor de deus não venham me dizer que escrever conto é mais fácil. Pode até ser o lugar por onde as pessoas se iniciam por ser um processo que completa um ciclo mais rapidamente (ou não). Na escrita é bem assim: a facilidade é sempre relativa. Difícil mesmo é escrever.

Laura Cohen é escritora e criadora do projeto Estratégias narrativas. Formada e mestranda na faculdade de Letras da UFMG, publicou os romances História da água (2012) e Ainda (2014), e o livreto de poemas Ferro (2016). É uma das coordenadoras do selo literário Leme, editando vários livros de prosa e poesia.

Laura Cohen é escritora. Formada em letras e mestre Estudos Literários pela UFMG, publicou os romances História da Água (Impressões de Minas, 2012) e Ainda(Leme, 2014) e Canção sem palavras (Scriptum, 2017), Caruncho (no prelo, impressões de minas, 2022) e as plaquetes de poesia Ferro (Leme, 2016) e Escrever é uma maneira de se pensar para fora (Leme, 2018). Seu romance Caruncho está com lançamento previsto para o segundo semestre de 2021. Foi vencedora do segundo prêmio de literatura Universidade Fumec, em 2011, e em sua edição de 2009, obteve o terceiro lugar, publicando nas duas edições da coletânea Da Palavra à Literatura – Narrativas Contemporâneas. Faz parte da coordenação do selo Leme da editora Impressões de Minas, editando e preparando livros de diversas autoras e autores. Em 2019, participou do ciclo Arte da Palavra do Sesc, dando oficinas em diversas cidades brasileiras. (foto: Bianca de Sá)