Literatura e matemática: Borges e Perec //com Jacques Fux

11 de maio de 2015

por Luiza Sá

Como era esperado de uma palestra sobre temas cuja convergência parece improvável à primeira vista, o encontro da última segunda-feira começou com uma série de questões: o que é literatura? O que é matemática? Uma ciência descoberta ou um código convencionado? De que forma esses dois campos se articulam nas obras de Jorge Luis Borges e Georges Perec, autores oriundos de contextos tão diferentes?

Na qualidade de sistema de raciocínio lógico e abstrato, a matemática tem muito a contribuir para a compreensão de algumas contradições do pensamento como os paradoxos do mentiroso, do barbeiro e de Zenão – ou Aquiles e a tartaruga. Mas é a imagem do paradoxo do Hotel de Hilbert, um fato matemático sobre conjuntos infinitos, que oferece as primeiras pistas sobre a apropriação da matemática na escrita de Jorge Luis Borges. Veio daí a provocação: até o fim da noite teríamos desvendado conceitos que nos levariam a ler o célebre conto O Livro de Areia com um novo olhar.

O interesse pelas interseções entre literatura e matemática não permaneceu circunscrito à Argentina. Na década de 1960, surgiu, na França, o movimento Oulipo, sigla para Oficina de Literatura Potencial. Sua proposta era impor restrições matemáticas à produção literária, para assim, libertar a escritura dos acasos e gerar conteúdo virtualmente ilimitado.

Entre os títulos emblemáticos dessa corrente estão Cem Mil Bilhões de Poemas, de Raymond Queneau, livro produzido a partir de um soneto cujos 14 versos podem ser reordenados de modo a produzir 1014 poemas distintos e coerentes; e La Disparition, de Georges Perec, um romance de 319 páginas em forma de http://pt.wikipedia.org/wiki/Lipograma, no qual não aparece nenhuma palavra que tenha a letra e.

Depois de analisar as restrições em Perec e a aplicação dos conceitos matemáticos em Borges, o que se revelou foi a condição ambivalente da matemática em relação à literatura: ela pode tanto limitar e condicionar a escrita, quanto servir à criação de dimensões incontáveis de significação. Sob essa ótica, faz todo sentido conceber um livro que não tem nem primeira, nem última, mas infinitas páginas, como o livro de areia.

A apresentação da aula para ser baixada se encontra aqui.