Cinco perguntas sobre a escrita: Rosa Araújo

10 de agosto de 2017

Hoje é o lançamento do livro A vida afetiva dos objetos, de Rosa Araújo, que sai pelo Selo Leme. Aqui, a autora responde as cinco perguntas sobre a escrita:

Como iniciou sua relação com a escrita?

Acho que a relação com a escrita sempre existiu, porém, ela só foi percebida e assumida quando fiz a escolha de estudar Artes Visuais. Parecem coisas distintas, mas não são. Havia a ideia vinda da adolescência do fazer arte, o que me seduzia muito e, na verdade, não a de tornar-me artista. O ato de pintar, de desenhar, de esculpir era muito sedutor, trazia um poder de quase mágica que me fascinava.

O meu espanto foi enorme quando fiz o primeiro trabalho na escola. Tratava-se de pintar ou desenhar algo que seria “A Cor”. Instintivamente comecei a me perguntar, escrevendo as ideias que tinha em mente, sem pesquisar. Quando vi, a página estava cheia de escrita, rabiscada e desenhada em forma de poema. Igualmente, o trabalho de conclusão do curso foi outro texto escrito na coluna central do prédio da biblioteca Pública, onde as pessoas precisavam circular para ler e acabavam ficando tontas. Conclusão, elas não entenderam a relação do visual e do verbal que eu propunha com as frases de Foucault e Barthes, e isso foi um alerta para minhas próprias questões – ficar tonta é sair do eixo, do conforto!

Escrevia sempre. Pequenos poemas sempre curtos e, às vezes, muito desconectados. Gostava disso e assim fui gostando de sentar e escrever. Quando me pegava entediada, por exemplo, por estar na cozinha, escrevia coisas como: “O tempo de cozinhar o espaguete é tempo de fazer-me confidências”, e os poemas foram chegando. E assim, fui me familiarizando com as palavras e construindo textos e narrativas.

Como no momento funciona o ofício da escrita para você?

Meu processo é muito intuitivo. Apesar de me deixar envolver pelo apelo visual, estou me disciplinando a escrever com mais frequência. Tem sido extremamente prazeroso trabalhar uma nova escrita técnica, elaborada. Escrever é como abrir uma gaveta que tem a minha idade. Dentro dela há vida pulsante, imagens deslocadas, curiosidades e muitas interrogações. Vou tirando coisas que tem a ver com o tema a escrever. Então, escrevo, recorto, busco o novo (é fundamental) e monto a imagem, a narrativa. É assim que está acontecendo hoje.

O processo do livro A vida afetiva dos objetos, por exemplo, começou com o trabalho plástico da pós-graduação, que aconteceu há mais de dez anos, onde foco na imagem das coisas que nos envolve no cotidiano. Isso porque é repetição entediante, mas há o contraponto. Por exemplo: Na pesquisa deste trabalho, foquei o olhar nos objetos desde quando acordava, não na realidade, se chove, se faz sol. Então, me deparo com uma xícara. Começo a observá-la. Começo a olhá-la a partir da atenção que se dispende a ela. Há o gesto de segurá-la, e é lindo. Há o gesto de escutá-la. O que muitos talvez não saibam é que nós a beijamos, fazemos o gesto de beijá-la frequentemente. O seu uso diz muito da relação entre ela e o sujeito. Como digo no poema: a ação sobre ela descreve uma trajetória de pouso lento e pouso rápido. E assim, comecei a pesquisar a afetividade, ou a falta dela em todos os objetos de uma casa e catalogá-los. Depois passei a observar os objetos de uso pessoal das mulheres. Há muitas curiosidades, cumplicidades e afeto nesta relação. Assim, fui criando conceitos, verbetes conceituais que compõe o livro.

Como as leituras se concatenam com a sua escrita?

Nunca fui uma leitora contumaz, mas lia sempre. Aprecio muito Clarice Lispector no seu modo peculiar de mergulhar no fluxo de pensamento até esgotá-lo. Acho-a fascinante. Estou também sempre buscando o que é imanente na linguagem do mundo e quero trazê-la a materialidade visual ou escrita. Hoje a literatura é uma linguagem necessária no meu processo. Busco o que está oculto, mas que existe desde sempre.

O que é difícil e fácil na escrita?

Existe o prazer de escrever. Para mim, ver as letras se pendurando ou se agregando uma às outras e seguindo um curso pré-determinado, com espaços para respirar é uma alegria. Este é o aspecto visual que me encanta. Sou atraída imensamente pelo desenho das letras. Faz-me salivar. Vem em seguida, o significado, é outro entendimento? Às vezes sim, outras não. O que aguça os sentidos, a razão, o metafísico. Divirto muito quando estou criando e embaralho, troco as ordens deles. Está no meu primeiro trabalho de arte: “A fala não é cega tampouco a visão é muda”. Neste sentido o escrever é como desenhar, é apenas uma das camadas da linguagem. Estou no fio dessa navalha.

Escrever para você é uma necessidade?

Posso dizer que escrever é uma das necessidades. Estou percorrendo um caminho que conheço um pouco seu chão porque ele cheira, ele tem cor, tem firmeza que me dá sustento, que me permite caminhar junto e porque somos semelhantes. Percorrer esse caminho é ficar impregnada dos chãos que muitos passam e eu os vejo.

Convidamos todo mundo para o lançamento do livo A vida afetiva dos objetos hoje, 10 de agosto, à partir das 19h30 na livraria do Cine Belas Artes.