Bibelôs editoriais

08 de junho de 2017

O Diogo da Costa Ruffato vai lançar seu proximo livro, Do pau, no próximo sábado na feira textura, no Agosto Butiquim, a partir das 11h. Então para celebrar a data, vai um texto dele sobre processos editoriais.

(por Diogo da Costa Ruffato)







Fui uma criança que cresceu fascinada pela leitura, depois um jovem que dedicou muitas horas ao objeto livro. Desse leitor de fruição surgiu o leitor crítico, graduado em Letras, que foi seguido pelo leitor profissional, pós-graduado em tradução do inglês e tendo trabalhado com revisão e tradução em editora durante três anos e agora se sustenta como revisor, tradutor e intérprete freelancer (se alguém quiser contratar meus serviços, diogorufatto@hotmail.com). E já naquela criança, assim como em todos os outros disfarces, estava a semente do poeta, do escritor e quem sabe até do editor, porque livros são feitos por pessoas.
A imagem mais comum de um escritor é aquela em que ele está solitário, pensativo, em frente a uma folha, máquina de escrever, computador... sempre sozinho. Essa parte existe, é bem verdade. Mas é apenas uma das etapas da formação de um livro, a gênese do texto; talvez a única solitária. Notem que desta última vez falei em texto, não em livro. Porque depois de escrito, o texto vai para um leitor. Pode ser ele um amigo, alguém com quem se compartilha a cama, alguém com uma relação acadêmica, ou mesmo um leitor-editor. E, antes que se faça o objeto livro, há sempre uma preparadora, uma diagramadora, uma revisora; e pode haver ainda uma tradutora, uma ilustradora, entre outras profissionais (homens, sintam-se incluídos aqui).
Há alguns anos, me foi encomendado um texto para um livro infantil. Fiz o texto, e o livro passou por todo esse processo de edição até ser publicado, mas não teve um outro elemento que ainda não mencionei – o afeto. Resultado: não consigo gostar da publicação. Um livro é sempre um objeto, mas é um livro-objeto, não um objeto-livro. Disfarçar um brinquedo fabricado na China de livro para não pagar imposto de importação anulou o encanto para mim.

Ano passado publiquei meu primeiro livro de poesia, Do pó,e desta vez foi com o afeto da preparadora-editora Laura Cohen e da diagramadora-editora Elza Silveira, para citar dois nomes dos tantos profissionais envolvidos no processo. Livros são feitos por pessoas, no plural.





Toda essa retórica acima serve apenas como preâmbulo para o relato que se segue. Quando comecei a escrever com mais afinco, lá pelos meus 17 anos, criei uma página no site Recanto das Letras. Recebi um que outro email de leitores e alguns comentários no próprio site. Alguns dias atrás, contudo, recebi um email de uma equipe editorial, por assim dizer, com um convite para participar de uma coletânea de poesia que eles publicam. Fiquei bastante feliz com esse chamamento, mas já com um pé atrás quando a mensagem me convidava a “honrar” a publicação com meus poemas.
Demonstrei interesse e pedi mais informações. Fui atendido com educação e até mesmo um pouco de afeto, tendo então recebido um arquivo contendo uma edição anterior, na qual se espelharia a minha virtual participação, e um arquivo com o regulamento. Uma iniciativa louvável, eu diria e digo; se tivesse recebido essa convocação há 10 anos, teria ido em frente sem pestanejar, mesmo com a exigência de vender alguns exemplares e, se não os conseguisse vender, comprá-los; mesmo com a sugestão de ir a escolas oferecer a adoção do livro, ou seja, mesmo com a transferência do papel de distribuição. Faria isso de bom grado, se eu acreditasse no projeto.
No entanto, agora me considero leitor profissional e escritor não tão amador (logo, logo eu devo conseguir me dizer escritor profissional). Abri o arquivo de exemplo e dei graças aos musos (as que se identificarem com o gênero feminino sintam-se incluídas também) por ter pestanejado.
Depois do cuidado estético que tive e recebi no processo de publicar Do pó, não poderia aceitar menos que uma diagramação no mínimo bela, que tornasse o livro-objeto aquele que me fascina desde criança. Se é para utilizar uma fonte qualquer do word e transformar em pdf, eu mesmo posso fazer isso. Ilustrações, se as há, precisam integrar o livro de forma a fazer sentido, não como meros enfeites, muito menos retiradas de um banco de imagens e se repetindo em vários poemas numa mesma edição. A iniciativa de imprimir em papel reciclado pode ser louvável a princípio, mas onera no preço e convenhamos que o resultado não agrada muito aos olhos. Façamos isso com documentos e quem sabe na academia, mas livros são livros são livros. No Brasil se fazem livros belos, e eu sou brasileiro. Poesia não se lê com a razão, mas com os sentidos. Até cheirar livros eu faço, aceito que não tenham perfume, mas não perdoo não me agradarem a visão.




Na nossa tradição, os profissionais que trabalham no livro acabam por desaparecer dele, excetuando-se os nomes na mesma página da ficha catalográfica. O profissional que não pode sumir é o autor (ou os autores). O que dizer de uma publicação em que a única informação sobre os autores são seus nomes? Nenhum dado biográfico, nem sequer uma folha ou indicação separando as seções de cada autor. Você só sabia que trocava o/a poeta quando lia o nome ao final do poema. Muito amadorismo, para não dizer desrespeito.
Portanto, refutei o convite. Estou em início de carreira, mas não desesperado por uma chance. Dizem por aí que gato escaldado não tem medo d’água. Tenho um livro infantil em processo de ilustração e mais dois de poesia prontos, aguardando trâmites editoriais.
Não quero, contudo, que este meu relato soe como um louvor à sacralidade do livro. Sei muito bem da importância de profaná-los. Por isso eu mesmo me satirizei, e logo vem aí Do pau, uma paródia de Do pó.











Diogo da Costa Ruffato nasceu em Passo Fundo, Rio Grande do Sul, no ano da queda do muro de Berlim. É graduado em Letras pela Universidade de Passo Fundo e pós-graduado em Tradução do Inglês pela Universidade Estácio de Sá. Sentindo-se um gaúcho não gaúcho, mudou-se para Belo Horizonte, Minas Gerais, e foi chamado de escritor mineiro não mineiro. Nesse espaço identitário, também cabem as profissões de revisor, tradutor e intérprete de língua inglesa e francesa. É autor dos livros Do pó (Impressões de Minas, 2016), Do pau (Impressões de Minas, 2017) e O livro fúcsia – da linguagem tripartida (Urutau, no prelo).